TERMAS ROMANAS
O hipocaustum era a estrutura criada numa quota inferior, de apoio ao piso superior, permitindo o aquecimento das salas e das águas, através das fornalhas que queimavam lenha e cujo calor se espalhava pela estrutura, que servia de estufa. No piso superior, além do calor emanado do pavimento, o aquecimento das salas do conjunto termal também se faria através do concameratio: um sofisticado sistema de circulação de ar quente das fornalhas pela estrutura interna das paredes de diversas salas, através de tubos circulares em cerâmica, com 82mm e 24 mm de diâmetro interno.
O hipocaustum das termas do Mileu, localizado a poente, possuiria uma área total aproximada de 120m2. Para o construir foi preciso escavar o afloramento rochoso a cerca de dois metros de profundidade e depois criar as fachadas do edifício. No pavimento foram aplicadas camadas de saibro e pedras pequenas, e por fim, o opus signinum, uma argamassa feita de fragmentos, com areia, cal e argila, que resulta num bom isolamento para os pavimentos termais e zonas húmidas.
Seguidamente, foram assentes pilares que suportavam o piso superior, acessível aos utentes. Uma sequência de arcos permitia a passagem de ar quente, potenciando o aquecimento das salas que se encontravam no nível superior.
No compartimento central haveria oito pilares que terminavam em arco, formando quatro ordens de arcos. Os pilares foram identificados e registados em desenho, mas não há atualmente vestígio dos mesmos.
No compartimento norte, de planta circular, a tipologia da sala terá tido duas ordens de arcos assentes sobre sete pilares de cada lado, usando tijolos de diferentes dimensões.
A norte dos compartimentos sobre o hipocaustum, uma área de 107.88m2 sugere a existência de uma palaestra, um espaço a céu aberto, existente na generalidade das termas romanas e que servia para a prática de exercício físico e desportivo, descanso e recreio.
A limpeza da área identificou, no entanto, estruturas arqueológicas mais antigas. Numa primeira fase, a configuração deste espaço seria circular, com 6.50m de diâmetro. Talvez fosse uma primitiva piscina, ligada a uma conduta de drenagem de águas. Num período de reconstrução e readaptação do espaço, estas duas estruturas foram desativadas e sobre as mesmas foi construído o muro norte do conjunto,
assente numa sapata de opus caementicium.
Uma vez no interior, pequenos átrios dividiam o acesso às diferentes salas. À direita estaria o vestiário, no qual os utilizadores podiam deixar os seus pertences e as suas vestes. Na sala ao lado, ficariam as latrinas. Saindo do vestiário, na direção sul, atravessavam o frigidarium para ter acesso às salas aquecidas, localizadas por cima do hipocaustum, a cerca de metro e meio de altura.
O frigidarium das Termas do Mileu terá tido 55.60m2 onde se incluía uma piscina de água fria encostada a uma das paredes. É um espaço obrigatório em todas as termas romanas, tendo em conta a sequência de banhos quentes seguida de banhos frios, com ação revigorante e estimulante. Sobre esta divisão, os dados encontrados não
permitem adiantar muito do que seria este espaço.
O tepidarium é um espaço de ambiente intermédio entre o caldarium e o frigidarium e no qual os utentes se preparavam antes de aceder à água quente ou fria, ou utilizavam como sala de massagens. Estaria igualmente construída por cima do hipocaustum, para manter a temperatura morna. O tepidarium das Termas do Mileu é uma sala com 37.8m2, de planta retangular. Deverá ter tido uma banheira encostada a uma das paredes, e bancos nas restantes. Inclui um prolongamento do espaço, de forma circular, com 6.60 m de diâmetro e teria uma abóbada provavelmente com 3.30m de altura. Esta sala circular será um dos espaços de construção técnica mais complexa e difícil no conjunto termal do Mileu. Pondera-se a hipótese ter sido um frigidarium, área que, não sendo normalmente contruída sobre o hipocaustum, poderá tê-lo sido no caso do Mileu, devido às frias temperaturas da Guarda. No centro desta sala circular estaria uma banheira.
A iluminação das duas salas do tepidarium – a sala retangular e a sala circular – seria efetuada através de uma janela termal, colocada na sala contígua, junto à empena da cobertura. As janelas termais têm sempre largura superior à altura, e lintel em forma de arco segmentado. Estas janelas seriam fechadas com vidro arquitetónico, da qual
existem fragmentos.
Após eventual exercício e massagem, os utilizadores passariam ao caldarium, uma sala ampla de 46.5m2, de planta quadrangular, com uma particularidade: a parede virada para a poente tem forma semicircular. Esta sala está localizada mesmo acima das fornalhas e teria elevadas temperaturas. Para os romanos, era também a sala mais luminosa e bem decorada. No espaço circular estaria a banheira de água aquecida. Na parede oposta, por cima da fornalha, poderia existir outra banheira, retangular, captando o máximo de calor vindo das fornalhas. Além de localizada acima da zona de fornalha, esta sala teria também, no interior das paredes, o sistema de aquecimento por tubagens feito em argila, designado concameratio.
A designação de Termas era aplicada aos locais de banhos públicos ou privados, espaços que eram sinónimo de vida social e civilização, de higiene e de massagens, de convívio e de cultura, de exercício e até de encontro de negócios.
Pelo seu significado, as termas públicas tornaram-se os edifícios mais característicos das cidades romanas e os banhos eram entendidos como um ritual importante na sociedade.
A partir do séc. I a.C., os edifícios termais foram mesmo um marco da romanização de cada cidade e de cada comunidade.
Mesmo em áreas do interior da Lusitânia e em áreas isoladas do Império, o modo de vida dos romanos foi adotado pelas populações autóctones, existindo termas em diversos locais. Havia ainda a necessidade de transpor o esplendor e aparato das grandes cidades para as áreas rurais, não só nas técnicas construtivas e na tipologia dos edifícios, mas também nos materiais de construção mais luxuosos, como revestimentos a mármore, estuques, mosaicos e pinturas. Assim, poderiam ser criados diversos ambientes de calor e frio, luz e penumbra, deslumbrando os seus utilizadores.
Os romanos defendiam que o corpo devia ser exposto a diversos tipos de temperaturas, acabando por desenhar e construir estruturas termais com diversos compartimentos contíguos, mas independentes e com funções distintas. As Termas romanas do Mileu seguem esta filosofia.
A distribuição espacial, o desenho arquitetónico, a sequência dos compartimentos, os materiais e as tecnologias utilizadas revelam um sistema construtivo muito racional, cuidado e mesmo monumental.
Apesar de afastada dos grandes polos da época, o local das Termas romanas do Mileu, na Guarda, seria já um centro urbano de alguma envergadura populacional, justificando assim a construção destas termas públicas, integrando uma rede de polos urbanos da Lusitânia romana.