IDADE MÉDIA

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Os últimos anos da monarquia visigoda foram marcados por uma crescente instabilidade política. O agudizar desta situação levaria a que, em 711, os muçulmanos rompessem pela Península Ibérica e, num curto espaço de anos, controlassem politicamente a quase totalidade do território peninsular.

Contudo, o espaço circunscrito entre a cordilheira central – onde se inclui a Serra da Estrela – e as cordilheiras cantábrica e astúrica tornaram-se sobretudo “terras de ninguém”. Ou seja, territórios periféricos que não se encontravam objetivamente sob controlo político-militar, quer pelos cristãos do Norte, quer pelos muçulmanos do Sul. Não eram, no entanto, territórios despovoados. As recentes investigações arqueológicas têm demonstrado que, entre os séculos VIII-XI, as comunidades aqui existentes se organizariam sem qualquer enquadramento administrativo supralocal (Martin Viso, 2009; Tente, 2018).

Mais uma vez tenderá a ser este cenário que se vislumbra no eixo Mileu-Castelos Velhos. Pese embora se desconheçam vestígios de estruturas, a presença de materiais cerâmicos, em ambos os espaços, enquadráveis numa cronologia entre os séculos IX a XII (Ramos, 2020), atestam a presença humana no local.

- Materiais cerâmicos alto-medievais dos Castelos Velhos

A quase totalidade destes materiais correspondem a loiça produzida localmente. Destaca-se, no entanto, pela sua exogeneidade, um fragmento de asa com pintura a branco. Estaremos perante uma peça, correspondente a um contentor de líquido – bilha, infusa, garrafa ou jarro – produzida no sul islâmico, entre os séculos X a XII (Ramos, 2020). Um artefacto claramente externo a este território que poderá resultar de trocas comerciais entre elites locais e o Sul islâmico, ou de expedições militares de razia, e consequente saque, levadas a cabo sobre os territórios meridionais.

Constatamos assim que, nestes primeiros séculos da Idade Média, os dados arqueológicos disponíveis, embora escassos, permitem comprovar que o sítio continuou a ser habitado em período pós-romano. Contudo, ainda não se compreende se estamos perante uma ocupação contínua, ou episódios intervalados de uso e abandono dos espaços. Numa primeira fase, durante a monarquia visigoda, terá tido ainda um papel preponderante a nível regional. Contudo, consequência da sua localização periférica em relação aos centros de poder e das novas relações geopolíticas, com o decorrer dos séculos terá sofrido uma transmutação da sua relevância político-administrativa.

Na segunda metade do século IX, Afonso III das Astúrias reconfigura a guerra entre o Norte Cristão e o Sul Islâmico, impelindo o espaço de fronteira para sul do Douro e estabelecendo mesmo pelo Mondego. Este espaço mantém-se por mais de um século sob influência e domínio teórico da coroa cristã. Porém, em 997, as investidas militares de Al-Mansur em toda a região levariam ao recuo da fronteira para a linha do Douro. Todo este território, adquire novamente uma dinâmica político-administrativa heterogénea, encontrando-se quer sob efetivo domínio islâmico, sob sua influência político-tributária, ou mesmo gerido de forma autárcica. Este cenário é assim propenso para repetidas incursões militares quer de cristãos como de muçulmanos. Somente com o rei astur-leonês Fernando, o Magno, e a sua “Campanha da Beira” que culminaria com a conquista de Coimbra em 1064, é que este território ficaria definitivamente sob domínio dos reinos cristãos do Norte.

 

- Fragmento de asa, com pintura a branco, de produção islâmica

É neste contexto de instabilidade que a estrutura de povoamento se começa a alterar. Inicia-se tanto um processo de concentração populacional, como a emergência de espaços fortificados privilegiando zonas de altura. Estes dois fenómenos seriam posteriormente incorporados nas novas dinâmicas políticas decorrentes da emersão e consolidação do reino de Portugal na segunda metade do século XII. Será precisamente neste período que surgem os elementos mais antigos da Guarda, instalada já em altimetria superior, com melhores condições naturais de defesa e controlo do território do planalto beirão (Ramos, 2020), ou seja, uma nova centralidade político-militar.

-Planta de Estruturas Arqueológicas datadas da Idade Média

No decorrer do século XIII detemos novas e diferenciadas informações sobre o Mileu. É neste século que se regista a primeira referência documental ao topónimo. Na sentença de divisão das igrejas e rendas eclesiásticas entre o Bispo e o Cabido egitaniense, em 1260, consta a igreja de Mirleum (Castro, 1902). O topónimo Mileu derivará de Mirleu pela síncope do /r/, ou seja, a supressão do fonema no interior de uma palavra. Descarta-se assim a origem do topónimo baseada na Historia Serafica de Frei Manoel da Esperança, do século XVII. Segundo a crónica, o termo “Mileu” advinha de um suposto milagre ocorrido aquando da tentativa de assalto do templo por parte de soldados muçulmanos, tendo-lhe feito frente apenas um português que exclamou “Aqui estou para mil, Eu” (Esperança, 1656).
Frei Rosa de Viterbo regista também este topónimo no desaparecido testamento de Fernão Gil, tesoureiro da Catedral da Guarda no final do século XIII, no qual se referiria à existência de uma mulher emparedada5 no Mileu. Será este autor o primeiro a propor que a origem e formação da palavra Mileu remeteria para francês, coisa de França, ou estrangeiro, e estaria relacionado com a presença de uma albergaria (Viterbo, 1865). Esta teoria, seguida por autores como Adriano Vasco Rodrigues (2000) ou Rita Costa Gomes (1987), veio recentemente a ser posta de parte por Jorge de Alarcão (2019). Este investigador avança outras hipóteses etimológicas como: mire letum, no sentido de admirável, ainda que destruído, arruinado, ou morto associado a ruínas romanas de notável monumentalidade ou a vestígios de trabalhos massivos de mineração antiga; ou mire laetus relacionado com a presença de água, e num sentido de água agradável de beber.
Os poucos documentos que conhecemos no século XIV, referindo o Mirleu, relacionam-se sempre com a capela, as suas rendas, e o seu padroado, o qual oscila entre o Bispado e o Rei (Boisellier, 2012).

Será necessário avançar um século para nos depararmos com novas informações documentais sobre o Mileu. Concretamente sobre a existência de uma confraria no reinado de D. Afonso V. As confrarias proliferaram no Portugal Medieval a partir do século XII até ao século XV. Definiam-se como associações de membros que se propunham a auxiliar reciprocamente, tanto no campo material, como no espiritual, e por vezes realizar obras de caridade (Coelho 1973). Algumas possuíam hospitais e albergarias para tratamento dos enfermos ou guarida de peregrinos.
A Confraria de Santa Maria de Mileu, fundada em época anterior ao século XV era, no reinado Afonso V, composta por apenas cinco ou seis confrades. Estes tinham pedido ajuda ao bispo da cidade, o qual assumiria a sua administração e nomeia um clérigo como administrador. Porém, o monarca reverte esta situação, uma vez que, os confrades eram leigos e da jurisdição da coroa (Trindade 1973). No final deste século, já no reinado de D. Manuel I, este monarca nomeia Pero Fernandes, Escudeiro do rei e Escrivão dos Contos, como administrador e governador da capella de Samta maria do meleu e da sua confraria (Gomes, 1987). Para suprir as obrigações confraternais, nomeadamente a celebração de missas, esta detinha rendimentos que lhe advinham de rendas de bens urbanos e rurais. Pelo mesmo documento, de 1498, ficamos assim a saber que era proprietária de casas arrendadas na cidade da Guarda, Sequeira, Gonçalo; soutos em Quinta da Ama do Infante, Castelos Velhos, Alfarazes, Fumagueira, Pero Soares, e Famalicão; Vinhas em Pero Soares, Aldeia Nova e na Villa; Chãos fora dos muros da Guarda, nos Castelos Velhos, Póvoa, Benespera e Gonçalo; um prazo em Aldeia de Frades (Torre de Almofala); Herdades em Pega e Panoias; as Quintas do Mouratão, da Azinha, e de Sete Carvalhos; o Lameiro da Confraria; e por último uma Casa, na qual se guardava o pergaminho com o inventário dos bens.

No decorrer do século XIII detemos novas e diferenciadas informações sobre o Mileu. É neste século que se regista a primeira referência documental ao topónimo. Na sentença de divisão das igrejas e rendas eclesiásticas entre o Bispo e o Cabido egitaniense, em 1260, consta a igreja de Mirleum (Castro, 1902). O topónimo Mileu derivará de Mirleu pela síncope do /r/, ou seja, a supressão do fonema no interior de uma palavra. Descarta-se assim a origem do topónimo baseada na Historia Serafica de Frei Manoel da Esperança, do século XVII. Segundo a crónica, o termo “Mileu” advinha de um suposto milagre ocorrido aquando da tentativa de assalto do templo por parte de soldados muçulmanos, tendo-lhe feito frente apenas um português que exclamou “Aqui estou para mil, Eu” (Esperança, 1656).
Frei Rosa de Viterbo regista também este topónimo no desaparecido testamento de Fernão Gil, tesoureiro da Catedral da Guarda no final do século XIII, no qual se referiria à existência de uma mulher emparedada5 no Mileu. Será este autor o primeiro a propor que a origem e formação da palavra Mileu remeteria para francês, coisa de França, ou estrangeiro, e estaria relacionado com a presença de uma albergaria (Viterbo, 1865). Esta teoria, seguida por autores como Adriano Vasco Rodrigues (2000) ou Rita Costa Gomes (1987), veio recentemente a ser posta de parte por Jorge de Alarcão (2019). Este investigador avança outras hipóteses etimológicas como: mire letum, no sentido de admirável, ainda que destruído, arruinado, ou morto associado a ruínas romanas de notável monumentalidade ou a vestígios de trabalhos massivos de mineração antiga; ou mire laetus relacionado com a presença de água, e num sentido de água agradável de beber.
Os poucos documentos que conhecemos no século XIV, referindo o Mirleu, relacionam-se sempre com a capela, as suas rendas, e o seu padroado, o qual oscila entre o Bispado e o Rei (Boisellier, 2012).

Será necessário avançar um século para nos depararmos com novas informações documentais sobre o Mileu. Concretamente sobre a existência de uma confraria no reinado de D. Afonso V. As confrarias proliferaram no Portugal Medieval a partir do século XII até ao século XV. Definiam-se como associações de membros que se propunham a auxiliar reciprocamente, tanto no campo material, como no espiritual, e por vezes realizar obras de caridade (Coelho 1973). Algumas possuíam hospitais e albergarias para tratamento dos enfermos ou guarida de peregrinos.
A Confraria de Santa Maria de Mileu, fundada em época anterior ao século XV era, no reinado Afonso V, composta por apenas cinco ou seis confrades. Estes tinham pedido ajuda ao bispo da cidade, o qual assumiria a sua administração e nomeia um clérigo como administrador. Porém, o monarca reverte esta situação, uma vez que, os confrades eram leigos e da jurisdição da coroa (Trindade 1973). No final deste século, já no reinado de D. Manuel I, este monarca nomeia Pero Fernandes, Escudeiro do rei e Escrivão dos Contos, como administrador e governador da capella de Samta maria do meleu e da sua confraria (Gomes, 1987). Para suprir as obrigações confraternais, nomeadamente a celebração de missas, esta detinha rendimentos que lhe advinham de rendas de bens urbanos e rurais. Pelo mesmo documento, de 1498, ficamos assim a saber que era proprietária de casas arrendadas na cidade da Guarda, Sequeira, Gonçalo; soutos em Quinta da Ama do Infante, Castelos Velhos, Alfarazes, Fumagueira, Pero Soares, e Famalicão; Vinhas em Pero Soares, Aldeia Nova e na Villa; Chãos fora dos muros da Guarda, nos Castelos Velhos, Póvoa, Benespera e Gonçalo; um prazo em Aldeia de Frades (Torre de Almofala); Herdades em Pega e Panoias; as Quintas do Mouratão, da Azinha, e de Sete Carvalhos; o Lameiro da Confraria; e por último uma Casa, na qual se guardava o pergaminho com o inventário dos bens.

-Fólio da Carta Régia da doação da administração da confraria do Mileu por D. Manuel I (ANTT, Leitura Nova, Livro I, fól.27)
-Fólio da Carta Régia da doação da administração da confraria do Mileu por D. Manuel I (ANTT, Leitura Nova, Livro I, fól.27)

Arquitetura Religiosa: a Capela Românica

Como se constata pela documentação medieval, a nova centralidade do Mileu gira em torno da Capela Românica de Santa Maria do Mileu, a qual terá sido edificada na primeira metade do século XIII. A disseminação das igrejas na paisagem do centro-oeste peninsular tende a enquadrar-se no seio do processo de afirmação das estruturas episcopais e paroquiais ao longo dos séculos XII e XIII (Martín Viso, 2005). De notar que é no início do século XIII que a sede episcopal egitaniense é transladada de Idanha-a-Velha para a Guarda.

O processo de paroquialização seria um fenómeno imposto desde o exterior, correlacionado com o avanço do “repovoamento” dos reinos cristãos do Norte. Através da utilização de mecanismos para fixar uma geografia eclesiástica dependente de estruturas diocesanas, e assim estabelecerem uma relação intrínseca com os centros de poder dependentes das monarquias (Martín Viso, 2008b). Numa primeira fase, este processo fez-se sentir nos centros urbanos e nas suas áreas periurbanas.

CACHORROS

FRESTA

TIMPANO

IMPOSTAS

ROSÁCEA

MÍSULAS

ARQUIVOLTAS

– Planta e Elementos Arquitetónicos.

PORTAL PRINCIPAL

PORTAL LATERAL

NAVE CENTRAL

ARCO TRIUNFAL

CAPELA MOR

FRESTA

A Igreja buscava um foco polarizador, que facilitasse a assistência dos paroquianos e a administração dos sacramentos. Deste modo lograva o controlo sobre estes e a obtenção de rendas eclesiásticas (Zadora Rio, 2005; Martín Viso, 2012), o que o dinamismo socioeconómico e a demografia dos centros urbanos potencializavam. A este fenómeno de criação de unidades espaciais, às quais se vinculavam determinadas comunidades, seria agregado outro processo apelidado de “inecclesamiento” (Lauwers, 1996; 2010). Caracteriza-se pelo advento e proliferação de edifícios eclesiásticos, associados ao cemitério paroquial, e à estruturação das formas de vida social em torno a estes espaços aglutinadores, sobretudo no que respeitava ao controlo eclesiástico dos espaços funerários.

A Igreja buscava um foco polarizador, que facilitasse a assistência dos paroquianos e a administração dos sacramentos. Deste modo lograva o controlo sobre estes e a obtenção de rendas eclesiásticas (Zadora Rio, 2005; Martín Viso, 2012), o que o dinamismo socioeconómico e a demografia dos centros urbanos potencializavam. A este fenómeno de criação de unidades espaciais, às quais se vinculavam determinadas comunidades, seria agregado outro processo apelidado de “inecclesamiento” (Lauwers, 1996; 2010). Caracteriza-se pelo advento e proliferação de edifícios eclesiásticos, associados ao cemitério paroquial, e à estruturação das formas de vida social em torno a estes espaços aglutinadores, sobretudo no que respeitava ao controlo eclesiástico dos espaços funerários.

- Capela do Mileu, Cachorros

É neste contexto que se fundará a capela do Mileu. A escolha deste local não seria aleatória. Por um lado, poderá deter ainda uma carga simbólica, ao estar junto (e quiçá sobre) estruturas monumentais de épocas prévias. Por outro, estava no eixo central da rede viária, como demonstram os vestígios de calçada ainda existentes, que ligava o planalto beirão à cidade da Guarda em época medieval (Ramos, 2020). No entanto, desconhecemos ao momento se esta se implanta junto de uma comunidade já existente ou, se pelo contrário, a sua edificação foi o mote para a criação de um aglomerado periurbano, ou seja, a Póvoa do Mileu.
Em termos arquitetónicos, um edifício românico era uma obra lenta e cara. A edificação requeria um diálogo entre os encomendadores, os doadores, e os mestres de obra, que influenciavam assim a própria construção. O resultado, é uma modesta e singela capela produto da Arquitetura Românica tardia e periférica (Real, 1986). Os muros foram edificados com o recurso a duplo paramento de silhares de pedra talhados e dispostos de forma isódoma, dando-lhe assim um ar sóbrio e austero. A fachada principal é rasgada por um portal escavado, em arco dobrado e de volta perfeita, assente em impostas salientes. Já as fachadas laterais são rasgadas por uma porta travessa de verga reta, assente em impostas talhadas no próprio silhar. A do lado norte coroada por dintel, enquanto a do lado sul por falso frontão semicircular. Apresenta uma planta longitudinal formada simplesmente por dois retângulos, o da nave e o da capela-mor, separados por um arco triunfal apontado que permite uma melhor visibilidade da capela-mor. A iluminação do seu interior era conseguida através de pequenas frestas laterais, uma rosácea circular, ostentando decoração lobulada sobre o portal principal, e uma outra, sobre o arco triunfal. A localização desta última permitia também que a primeira luz do dia fosse a mais intensa e assim fizesse convergir o olhar dos fiéis para o altar-mor.
Focando as atenções no trabalho escultórico, este apresenta-se rude, estilizado e com grandes espaços por preencher, nomeadamente no seu interior (Real, 1986). Aqui a escultura limita-se aos capitéis do arco triunfal, cujos temas retomam o formulário tardo-românico, como o capitel onde se esculpiram duas aves afrontadas em torno da árvore da vida. No exterior, as fachadas laterais são rematadas por cachorrada e cornijas pontuadas por elementos esféricos. Os cachorros, 34 na fachada Norte e 33 no lado Sul, exibem decoração variada: meias esferas, cartelas, cruz de Santo André, pássaros, pirâmides, cabeças de lobo, e figuras antropomórficas. Na fachada principal, virada a poente, estão ainda presentes três mísulas, sendo esta rematada em empena com cruz grega no vértice.
Na sua singeleza e modéstia, a Capela da Póvoa do Mileu incorpora o capítulo final da arte românica, principiando a hibridez de soluções românicas e góticas, uma realidade marcante da arquitetura do século XIII, nas regiões mais periféricas do reino. Ao longo dos séculos seria alvo de reformulações ao sabor dos estilos arquitetónicos vigentes. Porém, o atual edifício é o resultado das intervenções da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na década de 50 do século XX. A sua ideologia de intervenção pautava-se pela recuperação da “originalidade” medieval dos edifícios, retirando assim qualquer elemento posterior que consideravam não sendo original.

É neste contexto que se fundará a capela do Mileu. A escolha deste local não seria aleatória. Por um lado, poderá deter ainda uma carga simbólica, ao estar junto (e quiçá sobre) estruturas monumentais de épocas prévias. Por outro, estava no eixo central da rede viária, como demonstram os vestígios de calçada ainda existentes, que ligava o planalto beirão à cidade da Guarda em época medieval (Ramos, 2020). No entanto, desconhecemos ao momento se esta se implanta junto de uma comunidade já existente ou, se pelo contrário, a sua edificação foi o mote para a criação de um aglomerado periurbano, ou seja, a Póvoa do Mileu.
Em termos arquitetónicos, um edifício românico era uma obra lenta e cara. A edificação requeria um diálogo entre os encomendadores, os doadores, e os mestres de obra, que influenciavam assim a própria construção. O resultado, é uma modesta e singela capela produto da Arquitetura Românica tardia e periférica (Real, 1986). Os muros foram edificados com o recurso a duplo paramento de silhares de pedra talhados e dispostos de forma isódoma, dando-lhe assim um ar sóbrio e austero. A fachada principal é rasgada por um portal escavado, em arco dobrado e de volta perfeita, assente em impostas salientes. Já as fachadas laterais são rasgadas por uma porta travessa de verga reta, assente em impostas talhadas no próprio silhar. A do lado norte coroada por dintel, enquanto a do lado sul por falso frontão semicircular. Apresenta uma planta longitudinal formada simplesmente por dois retângulos, o da nave e o da capela-mor, separados por um arco triunfal apontado que permite uma melhor visibilidade da capela-mor. A iluminação do seu interior era conseguida através de pequenas frestas laterais, uma rosácea circular, ostentando decoração lobulada sobre o portal principal, e uma outra, sobre o arco triunfal. A localização desta última permitia também que a primeira luz do dia fosse a mais intensa e assim fizesse convergir o olhar dos fiéis para o altar-mor.
Focando as atenções no trabalho escultórico, este apresenta-se rude, estilizado e com grandes espaços por preencher, nomeadamente no seu interior (Real, 1986). Aqui a escultura limita-se aos capitéis do arco triunfal, cujos temas retomam o formulário tardo-românico, como o capitel onde se esculpiram duas aves afrontadas em torno da árvore da vida. No exterior, as fachadas laterais são rematadas por cachorrada e cornijas pontuadas por elementos esféricos. Os cachorros, 34 na fachada Norte e 33 no lado Sul, exibem decoração variada: meias esferas, cartelas, cruz de Santo André, pássaros, pirâmides, cabeças de lobo, e figuras antropomórficas. Na fachada principal, virada a poente, estão ainda presentes três mísulas, sendo esta rematada em empena com cruz grega no vértice.
Na sua singeleza e modéstia, a Capela da Póvoa do Mileu incorpora o capítulo final da arte românica, principiando a hibridez de soluções românicas e góticas, uma realidade marcante da arquitetura do século XIII, nas regiões mais periféricas do reino. Ao longo dos séculos seria alvo de reformulações ao sabor dos estilos arquitetónicos vigentes. Porém, o atual edifício é o resultado das intervenções da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na década de 50 do século XX. A sua ideologia de intervenção pautava-se pela recuperação da “originalidade” medieval dos edifícios, retirando assim qualquer elemento posterior que consideravam não sendo original.

Contextos Arqueológicos Medievais

Por último, também as escavações arqueológicas aqui realizadas permitiram identificar vestígios, quer estruturais quer materiais, desta época.
Na zona mais a nascente da área intervencionada foram identificadas as ruínas de muros, algumas delas correspondentes a uma grande estrutura (Edifício F). Esta apresenta-se, tanto ao nível de orientação como da tipologia de construção, distinta das anteriores estruturas de época romana, sobrepondo-se inclusivamente a um desses edifícios (Edifício E). A sua planta, embora incompleta, ostenta uma tipologia retangular com uma orientação tendencialmente Norte-Sul. Os muros, em alvenaria de granito, possuem nas faces exteriores pedras de grande dimensão e enchimento com pedras de pequena dimensão e materiais de construção romanos reaproveitados. Para a sua construção foram abertas valas de fundação, que posteriormente seriam colmatadas com sedimentos, os quais continham materiais cerâmicos balizáveis nos séculos XII/XIII, o que nos permite assim um terminus post quem. No entanto, desconhecemos presentemente a sua funcionalidade.
No que concerne aos vestígios materiais medievais, além dos parcos fragmentos cerâmicos recolhidos na referida vala de fundação, foi possível identificar um conjunto mais abrangente (Pereira e Ramos, 2019). Constituídos por panelas, potes e jarros com asas puncionadas, apresentam perfil em “S” com bordos arredondados e canelura no exterior, pastas de cor castanha-escura e/ou preta, com elevada presença de elementos não plásticos como micas, quartzos e feldspatos, cozeduras predominantemente redutoras, e fabricados a torno rápido. Infelizmente encontram-se muito fragmentadas, dispersas e provenientes de camadas estratigráficas muito remexidas, o que apenas nos permite constatar a presença de atividades do quotidiano.

Por último, também as escavações arqueológicas aqui realizadas permitiram identificar vestígios, quer estruturais quer materiais, desta época.
Na zona mais a nascente da área intervencionada foram identificadas as ruínas de muros, algumas delas correspondentes a uma grande estrutura (Edifício F). Esta apresenta-se, tanto ao nível de orientação como da tipologia de construção, distinta das anteriores estruturas de época romana, sobrepondo-se inclusivamente a um desses edifícios (Edifício E). A sua planta, embora incompleta, ostenta uma tipologia retangular com uma orientação tendencialmente Norte-Sul. Os muros, em alvenaria de granito, possuem nas faces exteriores pedras de grande dimensão e enchimento com pedras de pequena dimensão e materiais de construção romanos reaproveitados. Para a sua construção foram abertas valas de fundação, que posteriormente seriam colmatadas com sedimentos, os quais continham materiais cerâmicos balizáveis nos séculos XII/XIII, o que nos permite assim um terminus post quem. No entanto, desconhecemos presentemente a sua funcionalidade.
No que concerne aos vestígios materiais medievais, além dos parcos fragmentos cerâmicos recolhidos na referida vala de fundação, foi possível identificar um conjunto mais abrangente (Pereira e Ramos, 2019). Constituídos por panelas, potes e jarros com asas puncionadas, apresentam perfil em “S” com bordos arredondados e canelura no exterior, pastas de cor castanha-escura e/ou preta, com elevada presença de elementos não plásticos como micas, quartzos e feldspatos, cozeduras predominantemente redutoras, e fabricados a torno rápido. Infelizmente encontram-se muito fragmentadas, dispersas e provenientes de camadas estratigráficas muito remexidas, o que apenas nos permite constatar a presença de atividades do quotidiano.

– Materiais cerâmicos medievais do Mileu