A Romanização do Território
A pacificação da Península Ibérica, em finais do século I a.C., sobretudo das regiões mais setentrionais, montanhosas e interiores, conduziu à criação de condições e mecanismos de integração destes vastos territórios recém-conquistados no seio de um dos mais vastos impérios do mundo antigo, o Império Romano.
Coube a Augusto (r. 27 a.C. a 14 d.C.) a organização político-administrativa das Províncias mais ocidentais do Império, uma ação que terá ocorrido de forma gradual, a diferentes ritmos.
A pacificação da Península Ibérica, em finais do século I a.C., sobretudo das regiões mais setentrionais, montanhosas e interiores, conduziu à criação de condições e mecanismos de integração destes vastos territórios recém-conquistados no seio de um dos mais vastos impérios do mundo antigo, o Império Romano.
Coube a Augusto (r. 27 a.C. a 14 d.C.) a organização político-administrativa das Províncias mais ocidentais do Império, uma ação que terá ocorrido de forma gradual, a diferentes ritmos.
Ao longo dos territórios conquistados foi aplicado o modelo de estruturação apoiado na criação de províncias, conuentus e ciuitates. Em simultâneo, foi sendo feita a aculturação romana junto das comunidades indígenas, no intuito de as enquadrar e integrar num sistema global, civilizacional, cultural, económico e contributivo.
A romanização chegou também ao designado Planalto Guarda – Sabugal. De um momento para o outro, as populações indígenas que residiam entre os últimos contrafortes setentrionais da Serra da Estrela e a Meseta Ibérica viram-se confrontadas com modelos, tipologias e estruturas construídas inéditas no território que fora o delas, que elas tão bem conheciam e que milenarmente haviam modelado.
A informação sobre a romanização neste Planalto é escassa, mas ainda assim é possível traçar algumas linhas gerais sobre o povoamento desta área durante o Alto-Império: as ciuitates integravam um território e a sua capital. Teriam fronteiras definidas e um centro urbano organizado à romana. Considerando diversos fatores, como a orografia, a epigrafia e os territoria das ciuitates vizinhas já conhecidas, é possível afirmar que o Planalto Guarda Sabugal seria uma entidade homogénea em termos político-administrativos e territoriais, correspondente a uma das ciuitates da vertente oriental da Serra da Estrela.
O sítio mais importante deste modelo de povoamento seria aquele que desempenhava o papel de capital de ciuitas. Como sabemos, no centro das ciuitates estava no seu núcleo urbano, símbolo de poder, “[…] dotado de estatuto jurídico, de instituições políticas e religiosas, de um corpo de cidadãos e do equipamento apropriado ao desempenho das funções políticas, religiosas, e culturais […]” (Mantas, 1993: 470). Estas constituirão doravante pontos estratégicos para a reorganização do território circundante, controlando todas as atividades económicas que aí ocorriam e cujos produtos passavam pela capital enquanto local de trocas (Le Roux; Tranoy, 1983-1984: 204).
A partir dos dados conhecidos, na malha de povoamento do Planalto Guarda Sabugal apenas um sítio parece apresentar características arquitetónicas e materiais que nos permite destaca-lo e identifica-lo como capital de ciuitas: o sítio romano da Póvoa do Mileu. De facto, consideramos que a análise deste sítio evidencia diversos elementos que permitem assinalar ou entrever um certo particularismo no quadro do povoamento romano da Beira Interior (Perestrelo, 2003).
Do que se sabe sobre o povoamento romano deste território de forma geral, pressupõe-se uma ocupação assente em pequenos núcleos populacionais, com distintas tipologias, face à sua localização, dimensões e implantações, contemplando
aglomerados urbanos e aglomerados rurais.
Assim, o território seria sobretudo pontilhado por núcleos rurais de distintas tipologias, classificados como uillae, quintas ou granjas, casais e tuguria (Alarcão, 1998), evidenciando afinidades com os modelos de povoamento dos territórios vizinhos, onde as quintas ou granjas romanas seriam a tipologia melhor representada.
Por todo o Império, as uillae seriam a tipologia de povoamento mais relevante entre os núcleos rurais, pertença de proprietários economicamente abastados, indígenas ou emigrantes, verdadeiras explorações rurais com intuito de produção autossuficiente.
Do que se sabe sobre o povoamento romano deste território de forma geral, pressupõe-se uma ocupação assente em pequenos núcleos populacionais, com distintas tipologias, face à sua localização, dimensões e implantações, contemplando
aglomerados urbanos e aglomerados rurais.
Assim, o território seria sobretudo pontilhado por núcleos rurais de distintas tipologias, classificados como uillae, quintas ou granjas, casais e tuguria (Alarcão, 1998), evidenciando afinidades com os modelos de povoamento dos territórios vizinhos, onde as quintas ou granjas romanas seriam a tipologia melhor representada.
Por todo o Império, as uillae seriam a tipologia de povoamento mais relevante entre os núcleos rurais, pertença de proprietários economicamente abastados, indígenas ou emigrantes, verdadeiras explorações rurais com intuito de produção autossuficiente.
De facto, a uilla foi o elemento essencial na estratégia do Império não só no povoamento e exploração de extensas áreas, mas também como vetor de desenvolvimento económico e de aculturação das populações indígenas (Gorges, 1989: 92). Enquanto unidades que promoviam a autossubsistência, estes núcleos possuíam pelo seu fundus diversos edifícios, com distintas funções, pois – segundo a descrição de Columela – para lá da uilla urbana (a habitação do proprietário), existiam ainda a uilla rustica (habitação dos trabalhadores e escravos) e a uilla frumentaria, edifícios que poderiam ser identificados como tuguria (Carvalho, 2007). Vemos, desta forma, que para lá dos elementos de destaque presentes sobretudo na uilla urbana, como as moedas, fragmentos de fustes de coluna, inscrições, silhares almofadados e fragmentos de terra sigillata, estes sítios apresentam elevadas áreas de dispersão de vestígios arqueológicos.
Todavia, como já tivemos oportunidade de referir, o padrão de povoamento do Planalto é dominado pela presença de quintas ou granjas romanas, ou seja unidades de média dimensão, caracterizadas pela escassez de vestígios detetados, resumindo-se a moedas, fragmentos de fustes de colunas e escassas inscrições.
O território do Planalto seria também ocupado por casais romanos, sítios reconhecidos pelas reduzidas áreas de dispersão de vestígios arqueológicos, certamente resultante da diminuta dimensão dos edifícios que os compunham.
Um bom exemplo desta tipologia de habitat resulta das escavações arqueológicas do sítio romano do Relengo, nas margens do Rio Côa, onde a equipa de investigação detetou um singelo edifício, sem características arquitetónicas relevantes, composto por três compartimentos, com pavimentos em terra batida, associado a escassos materiais arqueológicos (Osório et al., 2008).
Esta malha de assentamentos rurais apresenta implantações diversas, à exceção das uillae, que evidenciam uma elevada concentração nas proximidades do Rio Côa ou dos seus afluentes e nas proximidades de uma via de ligação entre a calçada Emerita – Bracara à Via da Prata, cuja passagem se encontra comprovada por dois miliários do século III d.C. (Osório, 2006), permitindo desta forma o escoamento dos seus produtos.
Consideramos possível que estas uillae, denunciem uma fundação já da segunda metade do século I d.C. ou mesmo de inícios da centúria seguinte (a ter em conta a datação das inscrições que lhes estão associadas e dos materiais arqueológicos identificados; Osório, 2006). Todavia, neste período a via mais importante passaria entre Alfaiates e Argomil, como defendeu Fernando Patrício Curado (2013), à qual pertenceriam dois miliários augustanos, ambos datados do período entre os anos 5 e 6 d.C. Assim, consideramos que em torno desta via se poderia – ao longo da primeira metade do século I d.C. – ter instalado uma malha de assentamentos dominada por uma rede de aldeias romanas.
A se comprovar esta hipótese é possível que a par da construção desta via e o abandono dos modelos de povoamento de período anterior – os povoados fortificados – tenha ocorrido a fundação de novos assentamentos, de características comunitárias, as aldeias romanas, no âmbito de uma nova lógica de organização da malha de povoamento e de exploração dos recursos naturais. Todavia, apenas a continuidade da investigação poderá trazer novas luzes sobre esta hipótese, que para já colide com a falta de dados, sobretudo de carácter cronológico.
Estas aldeias romanas inseriam-se no grupo, menos numeroso de aglomerados urbanos de terceiro grau, que incluía também os castella. Embora estes aparentemente se encontrem ausentes do território do Planalto, as aldeias estão relativamente bem representadas. Segundo Jorge de Alarcão (1995), estas aldeias seriam núcleos sem estruturas defensivas, caracterizadas por um agrupamento de 10 a 15 habitações, sem padrões mínimos de monumentalidade ou de organização urbanística.
Também aqueles que foram definidos como aglomerados urbanos secundários estão presentes no Planalto GuardaSabugal, nomeadamente os uici, que detinham uma elevada importância nesta malha de povoamento, pois – afastados da capital de ciuitas – detinham funções de controlo administrativo e fiscal (Carvalho, 2007: 356), de construção e reconstrução de vias, mas também enquanto núcleos de apoio a viajantes, por isso localizados nas proximidades de importantes vias, de apoio a santuários religiosos, estabelecimentos termais ou industriais (Cortijo Cerezo, 1993: 207), como centros de exploração de pedra ou centros mineiros, atuando num espaço de características eminentemente rurais enquanto focos de romanização da região envolvente.
É possível que a organização administrativa do território que impôs estas vias e estes núcleos possa recuar a Augusto, reinado durante o qual se delimitaram as ciuitates, se construíram vias e os seus equipamentos oficiais de apoio (Carvalho, 2007:378).